quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Estrada Real




O Aníbal era um cara atento. Ele e aquela máquina fotográfica que registrava tudo.
Seu sonho era ser a manchete das suas fotos, incrível, mas muito parceiro. O inusitado era sua maior intenção. Vivia a procura de fatos que pudesse retratar e guardar pra sempre.
Numa manhã de outono disse ao Aníbal que havia conhecido uma mulher que tinha seis dedos em cada pé. O sujeito pirou!
A tal diferença sonhada era fato. Implorou por se envolver na história, mas o assunto era meu.
Ele nunca me ligou tanto...
Finalmente disse ao Aníbal que no final de semana iria encontrar com a dona dos doze dedos. Ele esfregou as mãos e preparou as lentes. Mas não era logo ali. A moça morava em Minas, Juiz de Fora pra ser mais preciso e tinha uma estrada no caminho e muito chão pra percorrer.
Nada disso esfriou qualquer animo. O sujeito iria ainda que fosse na mala do carro tamanha era sua vontade de fotografar a menina.
Por um momento me deu um estalo. Pensei: “mas essa história é minha, eu quem quero conhecer a pessoa e esse curioso está quase tomando meu lugar”. Não tinha mais jeito, o camarada não desgrudaria fácil e eu teria que me virar pra explicar a presença de um fotógrafo comigo em busca de uma cena inusitada.
Ela iria me matar, e em Minas, imagina... Pegar quilômetros de estrada e ser expulso na base da vassourada de um lugar que sequer conhecia. Burro tinha sido de falar...
E naquele Sábado de sol e ar fresco partimos.
Me perdi um pouco quando cheguei por lá. Celular? Nesse tempo não existia. Um orelhão e pronto. Avisei que estava a caminho. Mal sabia ela que alguém estava no carro, e pior, esperaria eu me entender com ela pra tentar umas fotos. Um encontro que tinha tudo pra dar super certo e cada vez que se aproximava mais adrenalina mandava pro meu sangue. E o culpado era eu!
Relaxei. Pensei na viagem. Ora, quem conhece a BR040 sabe as maravilhas que você fotografa pra sempre. E por falar em fotos... Pirei pela segunda vez!
Ela era muito mais linda do que eu imaginava. Havia visto numa festa no Rio dias antes, mas era noite, muita gente. Dia claro e aquela menina era o sonho de consumo de meses, anos, décadas, sei lá.  Usava uma sapatilha, sem chance de ver os dedos... E olhou de lado quando viu o Aníbal.
Tratei de explicar. O percurso era longo, ir sozinho era chato e coisa e tal. Ela entendeu sem entender, mas aceitou a presença do cara. Ficamos ali conversando e ele no carro. Estava combinado isso. Tive que tramar e tentar enganar a garota sorridente.
Até que comecei a relembrar a conversa e falei nos tais seis dedos.Ela apenas sorriu e o cidadão sentado no Chevette 82 preparou a maquina com tamanha ganância que cheguei a escutar o barulho.
E veio todo solícito se oferecendo pra tirar uma foto nossa. Ela topou, e como estava nos planos pedi naquele momento pra ver os tais seis dedos.
Dois babacas com planos distintos e até sórdidos. Foi assim que nos sentimos, quando aquela menina linda tirou o sapato e um pé lindo com cinco dedos, mais normal que nunca, ficou de frente pra câmera do Aníbal.
Falei: “tira as fotos Mané”. E ele fez. Guardei pra sempre e nunca entendi a história dos seis dedos. Talvez ela tenha dito pra brincar comigo, ou quem sabe seu sexto sentido pegou alguma coisa no ar com muita antecedência.
O final dessa história pertence aos personagens, gostaria até de dividir, mas o que veio depois é fato totalmente consumado.
Voltei escutando essa musica...

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