Semana passada estava no saguão do aeroporto em São Paulo esperando a
Ponte Aérea pro Rio e me vieram lembranças. Porque não existe um lugar mais
adequado pra pensar na vida que aeroporto e avião. Isso é fato.
Porque sempre achei as viagens um saco, uma síntese de
tempo perdido. Porém, a Bene gostava dos aviões. E eu não podia entender e tão pouco
me conformar.
Não falo de uma viagem de pouco mais de meia hora. Você
nem bem engoliu o pão frio e sem graça e já estão recolhendo tudo porque o
Santos Dumont é logo ali embaixo. Falo de viagens longas, aquelas em que a
bunda fica quadrada e tem sol e estrelas na janela.
E houve um tempo em que fazia muitas dessas e a Bene
dizia que sentia até inveja e vontade louca de estar no meu lugar. Até do
cheiro do avião ela gostava... Coisa insólita!
De fato eu ficava doido pra chegar. Achava um desperdício
de vida ficar mais de doze horas dentro de um container voador cercado de
pessoas as quais nunca havia sido apresentado.
Pensava assim: “se essa merda cair eu vou morrer junto
com esse filho da puta roncando aqui?” Mas nunca caiu ou essas palavras seriam
psicografia...
Entretanto, eu me ligava no cheiro. Sei lá, era uma
mistura doida de cigarro (na época se fumava dentro do avião) e café
requentado. Tudo era inconvincente, nada me fazia crer na benesse de estar ali
por horas a fio pra chegar num lugar com cinco horas a mais no relógio, mas
sempre me lembrava que a Bene gostava dos aviões.
Se eu apagasse e amanhecesse no destino talvez tivesse
sido mais fácil. Mas o olho aberto como uma bilha de rolimã me fazia refletir
que dormir sentado é uma bosta. E pior com alguém que jamais havia convidado
pra dormir comigo. Era insensato, estranho, mas a Bene insistia que gostava dos
aviões.
Viajar de avião é tão particular que por mais que você esteja
acompanhado a solidão é iminente. Porque ainda que exista um papo agradável tem
horas que o sono bate e de repente alguém que antes conversava alegremente,
dormiu. Foda admitir, mas tudo incomoda. Coceira na bunda em hora errada e
vontade de mijar é o caos. Você sabe que vai incomodar quem está na fileira,
mas é acordar a pessoa ou urinar nas calças. O pé que incha, a hora que não passa
e aquele silencio sepulcral com o barulho da turbina de trilha sonora.
E ainda assim a Bene gostava dos aviões...
Daí eu me lembro da alegria da volta, da musiquinha da
Varig com imagens de um Brasil que só existe pra gringo e ajudava a aturar as horas
que me separavam de casa.
Velhos tempos e dias longos e intermináveis.
E a Bene continua gostando dos aviões!
3 comentários:
Essa Bené é foda rs
Bene:)
Sempre gostei mesmo dos aviões. O cheiro do ar-condicionado e a comida para alguns insuportável. O fato de incomodar o outro ao ter que ir ao banheiro, de longe para mim , era um sufoco. Nada disso. Mais uma chance de fazer novos amigos.As aeromoças - sim, sou do tempo das aeromoças da Varig Airlines-, sempre as invejei. Queria ser como elas naquele uniforme azul-marinho com laço vermelho e bem maquiadas. Um dia em Paris, café da manhã em Londres, entardecer em Scotland. Nossa, quantos sonhos. Toda vez que pisava naquele corredor estreito e ia ao encontro de meu lugar, levava um sonho a realizar. Estava saindo da mesmice e entrando na zona franca das ideias. Tudo mais-que-perfeito. Mala e roupas de viagem para mais um capítulo de vida. E sim, me lembro de todas. Lembro-me de uma, em particular. Estava indo para Buenos Aires, bem cedo, algo em torno de seis da matina.Saia preta, justa, camisa branca impecável, salto alto e casaco. E maquiada, claro.O avião voava vazio, que segundo o jargão dos comissários era o mesmo que batendo latas.Não me importei. Aconcheguei-me nas poltronas vazias após a decolagem e dormi um pouco, acordando bem a tempo de refazer a maquiagem e repassar mentalmente o passeio que estava por vir. Maravilha. Ótimas fotos. Boas lembranças. Mas, continuo gostando mesmo é do tempo dentro do avião. É lá, durante o voo, que refaço minha vida como em um filme. Tudo nele dá certo. Tenho amigos, vou ao seu reencontro. Descubro novos sabores e lindas paisagens. Minha mente fotografa tudo sem perder detalhes. Faz planos e celebra cada momento que está por vir incansavelmente. É como se fosse meu limbo existencial. Saio de mim e viro outra pessoa. Melhor, mais bonita e bem-sucedida. Ninguém me conhece, então uso os chapéus que bem entender sem ter que dar explicações sociais.Viro turista de mim. Nesse meio tempo, enquanto o avião não pousa, imagino as pessoas e suas histórias de vida. Uma viagem de avião é um eterno ensaio antropológico.Ouço conversas, leio sorrisos, entendo o meu "eu". Adoro a comida do catering service. É, viajar de avião realmente não agrada a todos. Nada disso me importa. O que vale mesmo é que estou indo, saindo do chão. Literalmente.E quando o cheirinho do ar me alcança, o barulho do ar-condicionado me encontra, penso: ah, como seria bom se eu tivesse asas...
Bene/2012
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